sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Esperança

Esperança é uma palavra que uso pouco e sobre a qual pouco penso. Acabei de pendurar em local incontornável, escrito em grandes maiúsculas de um verde ofuscante, um saco de papel onde se lê HO em cima e PE por baixo. E logo surgiu quem demonstra a sua possibilidade. Um omen, perdoem-me mais este anglicismo, que o anterior foi um acaso de uma dádiva, mas as palavras têm ressonâncias que ao sujeito lhes dá maior significado. Gosto da palavra omem, transporta-me para esse mundo desconhecido do futuro, para o mistério da vivência, para a probabilidade da querida mudança.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Quando o amor não chega ou Nada se repete

Quando pomos fim ao que amamos cometemos homicídio em legítima defesa. A morte e a vida continuam, perante o cadáver, a digladiar-se por tempo indeterminado. Uma vida a menos, uma cova aberta para cobrir com terra própria, recolhida dentro do sobrevivente. Mais um vazio, maior, que se junta aos outros. Túneis escavados até enfraquecer o solo e se dar o último passo. Três delitos sobre a mesma designação e em tudo diferentes. O mesmo vazio maior construído sobre teias subterrâneas tão díspares. Vivemos até ver entre os vivos e os mortos.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Passear de mão dada com o coração

Havia uma velha que nunca tinha passeado de mão dada com um coração. Os corações não têm mãos repetia para si, sempre que o seu estendia o braço. Dá-se a mão às crianças para atravessar a rua. Dá-se a mão aos bebés quando o corpo é ainda demasiado pesado para os deixar caminhar. Dá-se a mão nestes inícios, e no fim oferece-se a bengala. É simples, objectivo e funcional.
A velha seguia á regra o manual de sobrevivência moderno. Tinha, é certo, os seus devaneios materiais, e com eles ia enchendo os buracos do coração. E Deus era generoso com ela. Continuava a dar-lhe tarefas. E ela não tinha mãos a medir. Dava a mão a quem tinha partido um braço. Dava a mão a quem não sobreviveria sem ela. A velha sentia-se uma extensão da bondade do Senhor.

terça-feira, 29 de abril de 2014

Clarear

O dia está a amanhecer. O céu não está limpo como o meu coração e a minha cabeça. Tenho andado pela floresta à procura dos meus frutos. Gosto de andar debaixo das copas das àrvores e de me arranhar nas silvas. São sempre viagens purificadoras. Cortei a mais funda raiz, da planta mais bonita e com a mais doce fragância. Podei uns arbustos decorativos. Sofriam de um mal incurável. Custou-me cortá-los, mas queria conter o mal. Prejudicava todos. Falta-me agora tratar das plantas novas. Foram elas que me conduziram ao nascer do dia. Como adaptá-las ao novo solo, à temperatura mais alta e aos maiores índices de humidade ocupou-me parte da noite. Gostava que as plantas falassem para reagirem ao quanto lhes quero e colaborar no ajustamento. No entanto, embora não falem, as minhas plantas andam. E não há estaca, canteiro ou cerca que as contenham, se quiserem partir. Hoje vou dedicar-me a uma planta que mal conheço. É robusta, talvez selvagem, parece dar-se bem em diferentes solos e condições climatéricas. É uma planta que me conquistou com as suas florzinhas de cheiro intenso e voraz. Está na estufa há umas semanas. Hoje veremos se a mudo de vaso, se a ponho à entrada de casa, se a ofereço ao vizinho ou se, arrependida, vou trocá-la à loja dos animais.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Rascunho

Hoje rascunhei nas costas de uma multa da Emel um texto diarístico sobre o dia que corre. De trás para a frente, da solidão querida à companhia inusitada. De um espaço recôndito a uma viagem da serra para o mar. De um tempo de pouca esperança a uns minutos inesperados. Tenha eu coragem para a transcrição.