segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Musa(s)

Se há na musa uma imprevisibilidade inerente, que muitos tentam dominar com a espera mais ou menos ansiosa e o trabalho árduo, disciplinado e metódico; há também nela um carácter específico que determina o quê e com que intensidade o que dela se tornará visível. A forma descansa no domínio da técnica e no estilo do artesão.
A musa tem ainda a tarefa de nos levantar do chão, de nos atirar aos outros, mantendo-nos desconhecidos, escondidos atrás da obra, que nos desvanece e nos deixa então tomar forma diversa.
Quando o fim e o princípio se tocam: as musas conversam, as palavras são espelhos e uma luz fraca ilumina várias almas.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Do uso e desuso exagerado

Vivemos tempos emotivos. As emoções afloram aos felizardos e os tristes não as tiram do saco.
De tanto se querer uma paixão acaba-se apaixonado e o amor anda solto na boca dos mais elevados.
Confundidas as árvores com as florestas, o verde luxuriante fere os olhos dos mais cuidadosos e as feras que por lá habitam afastam os medrosos.
Não sei se cite Fichte, Hegel ou Marx, ou se me deixe de filosofias e me baste a psiquiatria. Não sei se dá tese, se pula para a antítese, para cansados de tanto balançar nos encontrarmos no ponto morto da síntese. Talvez me socorra da agora tão divulgada e promovida doença bipolar e com base nela construa um equlíbrio estatístico com os valores médios das grandes amplitudes. Todos vivem de excessos e exageros.
As emoções desenfreadas lembram-me os filmes americanos onde mulheres gritam de desespero e os homens dão pontapés e murros a portas e cadeiras. Não acredito que com isso queiram apelar ao descontrolo nem ao exagero, mas tão somente ao limpar da alma para se poupar no psico-terapeuta, que daqui parece tão necessário a esse mundo extremo-ocidental. E suspeito que gritos e murros não se aplicam apenas aos que não possuem capacidade introspectiva, nem financeira para se afoitar a tais fundos e psíquicos mergulhos.

 ██ Países geralmente considerados parte do mundo ocidental

Há depois os poetas que conseguem abraçar o todo das emoções e do amor e da paixão e os oferecer àqueles de braços grandes e colo ardente.
Há ainda os da velha nova era que difundem o amor simples por todas as coisas, como já tantos o fizeram de forma religiosa.
E assim chegamos aos outros, a tal massa uniforme e disforme, regida por poucas ideias e pelos valores externos, com limites de sã convivência pré-fixados, critérios de saúde pública definidos, intimidade e individualidade certas e seguras. Sempre sem exageros, nem particularidades, para facilitar a gestão e evitar aborrecidos e demorados esclarecimentos.
E por fim surgem os que às costas carregam várias caixas, umas arrumadas outras não, mas sempre as suas e sempre construídas e mantidas pelos próprios. Gosto quando batem à minha porta, poisam as caixas, levantam as tampas e me maravilham com o que já arrumaram, com o que estão a arrumar, sempre cheios de histórias entrelaçadas, às vezes sem nada mais do que caixas dentro de caixas. Gosto quando seguram na minha mão e me tocam as caixas que carrego como eles.


                                                           ©Mafalda Mimoso

Estrela da Tarde - Ary dos Santos

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia
Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram
Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!
Ary dos Santos 
 

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Prazo

Contigo não quero o razoável
que de razão estamos já cheios
e saciados com as nossas escolhas.

Não peças o razoável!

Só o impoderável queremos
e será a ânsia do ilimitado que nos moverá
certos que ficaremos àquem.

Não queiras ser justo!

Longe da partida, entre risos cansados,
correremos atrás da raposa que soltámos,
dependentes só do nosso olfacto e resistência.

Não interessam as paixões dos outros!

Foi a nossa que congelámos
para que não a derreta o frio do Inverno
e a na pele torrada se misturem os sabores.

Não te assustes com a arrítmia!

Nada dá mais endurance que a mudança
novas não serão as válvulas nem as veias
que este coração renasce cada dia.

E nada tem mais contraste do que a vida!

Tudo o resto não passa de uma amostra
que cada um carrega
testando a sua carga.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Adeus ao precipício

As pontas dos pés na berma
A chuva ensopando o cabelo e o casaco grosso
O vento dobrando o chapéu de chuva branco
E lá em baixo a água escura chamava.

Ouviam-na os pensamentos
Que os gritos das crianças
Agarradas à saia travada
Puxavam no sentido oposto

Correu entre as bermas
Atrirou os miúdos à água
E ficou a olhar para dentro

Sentou-se e as pernas caídas
Ficaram mais perto da voz

O vento desenhava letras na chuva
As tempestades duplicavam-se

Letras substitutas, perturbadas
Letras certas, decididas
Letras libertadoras, pesadas

Tirou os miúdos da água
As pernas voltaram à berma
Disse adeus ao precipício
E desfigurada largou os sentidos

Apanhou-os no dia seguinte
Ao sol, secos e corados
Depois da incerteza
Chegara a bonança

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

"Um Amor Feliz" - Exposição de Fotografia na Galeria Maria Lucília Cruz, em Lisboa

De 10 de Fevereiro a 4 de Março de 2011
Galeria Maria Lucília Cruz
Rua das Salgadeiras nº 22, Bairro Alto, Lisboa

Inauguração dia 10 às 18h30.

Um Amor Feliz mostra mais um trabalho fotográfico de Mafalda Mimoso onde a Natureza assume novamente um papel relevante. Desta feita o amor pela natureza, faz com que esta se torne o local de encontro de outros Amantes que também são seus. Entre a terra e a água, na palha ou na outra margem do rio, longe ou perto, há entre todos - Homem e Natureza - uma ligação determinante. É nesse amor entre todos, ou na luta por esse amor, que todos desenham o seu frágil destino.

"Por ser o amor em si mesmo um absoluto (ou tender para ele) e por em si mesmo constituir uma liberdade (ou a ela aspirar), nada de mais nocivo nem até de mais oposto à sua essência, à sua existência, à sua vivência que a ilusão de uma liberdade absoluta. [...] Segundo efectivamente me parece, no relativo da liberdade que usufrui e no contingente do absoluto que se lhe permite é que justamente o amor se constrói (ou tenta construir-se) quer como absoluto quer como liberdade: esta é a grandeza do seu designío, esta é a precaridade do seu destino.[...]" David Mourão Ferreira, Terraço Aberto, Ed. Círculo de Leitores, 1992.

"O que há de oposto à liberdade é o cliché" George Steiner, Night Words, 1965.

"Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?"
Carlos Drummond de Andrade
 

Mafalda Mimoso continua a mostrar-nos que tanto a natureza selvagem como a humana assumem-se como uma forte temática no seu trabalho, e que se mantém confiante no Amor do Homem pela Natureza e pelos seus semelhantes.

Horário:
Quarta a Sexta – 17h30-19h30
Sábado: 15h-19h30