sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Espero por ti numa madrugada

Encontrei-o na terra de ninguém
Num lugar de passagem
Falando uma língua franca.

Palavras e gestos
Vozes e corpos
Rodeados de fantasmas e medos
Desossaram o cadáver da luxúria.

Ficámos com os ossos
Que deitámos num caldeirão alquímico.

É um estrangeiro que agora partilha
O berço e a esperança da Democracia
E viaja entre a mitologia e os novos homens.

Sou uma apátrida por nascer
Uma mulher sem tribo
Em busca do útero perdido.

Sabemos do que somos capazes

Subir aos cumes mais altos
Descer onde a água é negra

Unir os corpos sem convidar Platão nem Afrodite
Esquecendo Ares e Adónis

Coser os lábios sem teias
Separados por um fio de seda
Doce como algodão de feira
Macio como polpa de fruto maduro.

Coloquei o seu olhar
no mais delicado guarda-jóias.

Penduro-o ao peito
Quando o meu coração
Chora de saudades.
Enfio-o no dedo
Quando quero
Que me abrace.

Pusemos as nossas ossadas na pira
para nos misturarmos no vento
E com o ar quente subirmos alto
E nos juntarmos ao invisível
Esse traço redondo e entrelaçado.

Mas sabemos-nos um quase sem remorso
Um quase que nos dá chão.

Não temos o mapa do além
E no que carregamos às costas
Não encontramos oxigénio.

Somos ossos que de carne só têm o cheiro.

Ansiamos a primordial cúpula celeste
O adágio de um orgasmo intersectado
O ar fresco e rarefeito
O sal das águas profundas
O fim das nossas guerras.

Sonhamos com uma armada indestructível
que sobre o mar voe
e nos salpique as entranhas
renascendo-nos.

Somos liberdade.

Sobre as paredes está o mar
Onde touros não colhem
E pássaros não chegam ao sol.

Ofereço-lhe a minha armadura
Para que a derreta
E dela nasçam puros castiçais.

Arderão luz e perfumes inebriantes
No veículo que escolhemos.