quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Diário de uma viagem pluvial

Não me atrai a escrita diarística a que os blogs supostamente apelam. Aliás continuo, como no dia em que este criei, a não gostar de blogs nem da tendência actual para a auto-expressão. Mas como sou um poço de contradições e no que faço e quero e penso e escrevo procuro encontrar uma razão, não deixo de fazer, querer, pensar e escrever para que a razão não se intimide e se esconda para mais tarde, para tarde demais ou para sempre.

Hoje o dia ofereceu-me surpresas inusitadas como só uma viagem pluvial forte e pública o podia fazer.

Descobri que se pode ter vinte anos, ser um rapaz giro, atraente e bem arranjado e nunca ter aprendido a fazer balões com pastilha elástica. E que uma namorada doce e assertiva, dando instruções precisas, podia fazer milagres; não fosse esse o seu entretém antes de aparecerem os Gameboys. Cá em casa só a filha mais nova de seis anos sabe fazer balões: sai à mãe, digo eu, e ainda não tem Magalhães nem Nintendo. Mãe que intui agora que talvez os seus outros filhos venham a aprender a fazer balões com pastilha elástica daqui a dez anos num banco de Metro ou de TGV.

Encontrei também uma mulher que conheço de partilhas de poemas, músicas, eventos, de histórias de mães e de pessoas, de preocupações e satisfações, de gostos e comentários. Outra vez debaixo do chão, veio ao de cima essa coisa má que é o subterrâneo e escuro Facebook, rei das redes sociais e demónio das relações pessoais. Não deixa de ser interessante olhar nos olhos de alguém que conhecemos parados, diversos mas sempre congelados, e para os quais olhamos o tempo que quisermos. Ali, eu no vai, ela no vem ou vice-versa, pouco importa, os nossos olhos tocaram-se e reconheceram-se. De fugida, dezenas de expressões correram, poucas palavras se trocaram. Fizemos uma promessa, que já haviamos incumprido no mundo virtual. Talvez a realidade faça a diferença.

Voltei à superfície alagada, atrasada, enganada. Perdi-me. Subi escadas cujas águas me diziam que ia contra a corrente. Deslizei por calçadas luzidias, onde a água dos céus desaparecia por entre as pedras. Desci escadas cuja torrente de água me cobria os pés mas me ensinava o caminho certo.

Desci olhando apenas as pedras, os degraus, o pequeno dilúvio,
Parei no fim, levantei os olhos e li as palavras certas,
Encontrei o lugar, o atraso e vesti-me
Para caminhar no arame sem cair.

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