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A close friend says that I'm good on reading people's core and I'm a Renaissance woman... She is the reason behind the blog's name. As she is behind many things in my life too, namely writing. From my posts I do hope you will find out if she is right or not. I intend to post here through words and images about aesthetics, relationships, ethics, psychology, environment, literature, politics, art, and more.
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
Labirinto em nós
Somos labirintos de buxo alto e denso. Com entradas e saídas múltiplas e vários traçados que cruzam o âmago. Com ou sem minotauro, com mais ou menos Ícaros, as viagens em nós a todos iluminam.
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
Como é frequente a beleza e a felicidade que não sentimos
«Com o correr dos anos, observei que a beleza, tal como a felicidade é
frequente.Não se passa um dia em que não estejamos, um instante, no
Paraíso.»
Jorge Luis Borges, Prólogo de Os Conjurados.
Jorge Luis Borges, Prólogo de Os Conjurados.
ELOGIO DE MARIA TERESA, de RUY BELO
RUY BELO ELOGIO DE MARIA TERESA |
Eu que às vezes encontro sem saber porquê um simples não sei quê em estátuas retratos antigos de límpidas mulheres desconhecidas eu que de súbito à primeira vista me apaixono adolescentemente por essas mulheres mortas mas contemporâneas de um pobre poeta português do século vinte levadas até ele talvez por um discreto gesto às formas e às cores impresso por um homem que na arte encontrava a única razão de vida abro a pasta e deparo com o teu retrato um retrato de passe anos atrás tirado no sítio suburbano onde primeiro vivemos e juntos suportámos com surpresa a solidão de sermos dois e ela só vergar os ombros onde os dias nos poisavam Conheço outros retratos teus onde também estás viva um deles bem me lembro estava à minha espera em saint-malo uma tarde ao voltar do monte saint michel nesse verão bretão onde então procurava justificação por mínima que fosse para a vida numa das muitas fugas de mim próprio que às vezes empreendo embora antecipadamente certo de que só pela morte enfim me encontrarei comigo com todos quantos verdadeiramente amei alguns desconhecidos e alguns mesmo inimigos sobretudo sedentos de justiça de que depois somente de bem morto hei-de dispor daquela paz que sempre apeteci mas nunca procurei até por não ter tempo para isso nem sequer para saber coisas simples como saber quem sou porque ao certo só sei que muito mais passei naquilo em que fiquei nem que fossem os filhos ou os versos que fiquei muito mais naquilo onde passei como passos na areia no inverno ou repentinas sensações de me sentir de súbito sensivelmente bem encher o peito de ar sentir-me vivo São retratos diferentes de quem foste um breve instante e nele floriste e apenas não murchaste por haveres ficado um pouco mais em tais fotografias Mas há em todos eles uma graça inesperada a surpresa da corça ou restos dessa raça que há em ti talvez um pouco mais que nas demais mulheres expressão sempre surpreendente da surpresa mesmo até para quem te conhece tão bem como eu te conheço Se nuns mais do que noutros sem excepção desponta a madrugada que era e é esse teu riso claro quem primeiro falou de riso claro talvez houvesse ouvido a água quando corre sobre os seixos de um ribeiro talvez a houvesse visto branca e fresca mas teve de inventar pra conquistar essa metáfora quando eu que te ouvi rir não fiz mais do que ouvir e sei que o som da água imita o teu sorriso Talvez dentro de séculos se não fale já de ti coisa aliás sem maior importância que a de não ter alguém deixado o teu retrato em qualquer dos museus esparsos pelo mundo Eu estarei morto e pouco poderei fazer por ti simples mulher da minha vida Mas isso não importa importa esta manhã este bar de milão onde olho o teu retrato enquanto espero o meu pequeno almoço saboreio as cervejas em jejum tomadas e começam de súbito a chegar aos meus ouvidos inesperados os primeiros acordes do concerto imperador Se um dia penso porventura te perder mulher simples recôndita e surpreendente sobre quem recaiu o peso do meu nome só então saberei quanto valias verdadeiramente Estás presente em mim como ninguém e sabes quão terrivelmente amei e amo outras mulheres além de ti além de minha mãe Mas tu tens o meu nome clara rilke tu trocaste a tua alegre vida irrequieta no único infeliz dos teus negócios por um poeta pobre velho e feio como eu Contigo aprendi coisas tão simples como a forma de convívio com o meu cabelo ralo e a diversa cor que há nos olhos das pessoas Só tu me acompanhaste súbitos momentos quando tudo ruía ao meu redor e me sentia só e no cabo do mundo Contigo fui cruel no dia a dia mais que mulher tu és já hoje a minha única viúva Não posso dar-te mais do que te dou este molhado olhar de homem que morre e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente Bons dias maria teresa até depois preciso de tomar o meu pequeno almoço a cerveja era boa mas é bom comer como come qualquer homem normal e me poupa ao perigo de até pela idade me converter subitamente num sentimental * Maria Teresa Bello, mulher de Ruy Belo |
Ruy de Moura Belo (1933-1978) nasceu em São
João da Ribeira, Rio Maior, e faleceu em Lisboa. Doutorou-se em Direito
Canânico na Universidade Gregoriana, em Roma, e licenciou-se em
Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa. Obras poéticas: Aquele Grande Rio Eufrates (1961), O Problema da Habitação (1962), Boca Bilingue (1966), Homem de Palavra(s) (1969), Transporte no Tempo (1973), País Possível (1973), A Margem da Alegria (1974), Toda a Terra (1976), Despeço-me da Terra da Alegria (1978). A sua poesia encontra-se recolhida em Obra Poética de Ruy Belo (volumes 1 e 2, 2ª edição, 1990). Ensaio: Na Senda da Poesia (1969).
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Ruy Belo "Imagens Vindas Dos Dias"
Conheço
as palavras pelo dorso. Outro, no meu lugar, diria que sou um domador
de palavras. Mas só eu - eu e os meus irmãos - sei em que medida sou eu
que sou domado por elas. A iniciativa pertence-lhes. São elas que
conduzem o meu trenó sem chicote, nem rédeas, nem caminho determinado
antes da grande aventura.
Sim,
conheço as palavras. Tenho um vocabulário próprio. O que sofri, o que
vim a saber com muito esforço fez inchar, rolar umas sobre as outras as
palavras. As palavras são seixos que rolo na boca antes de as soltar.
São pesadas e caem. São o contrário dos pássaros, embora "pássaros" seja
uma das palavras. A minha vida passou para o dicionário que sou. A vida
não interessa. Alguém que me procure tem que começar - e de se ficar -
pelas palavras. Através das várias relações de vizinhança, entre elas
estabelecidas no poema, talvez venha a saber alguma coisa. Até não saber
nada, como eu não sei.
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
"E a sua língua-mãe é o silêncio" - Heiner Müller
Que pode ele dizer, o vosso general?
Foi Romano e não tem sangue Godo.
Quando fecha os olhos vê a cidade
E tem no olhar a estepe quando os abre
Só ao nada chamará pátria sua
E a sua língua-mãe é o silêncio
"ANATOMIA TITO FALL OF ROME Um Comentário de Shakespeare" de Heiner Müller
Foi Romano e não tem sangue Godo.
Quando fecha os olhos vê a cidade
E tem no olhar a estepe quando os abre
Só ao nada chamará pátria sua
E a sua língua-mãe é o silêncio
"ANATOMIA TITO FALL OF ROME Um Comentário de Shakespeare" de Heiner Müller
Para a manhã, de Miguel Torga
PARA A MANHÃ
Rosa acordada, que sonhaste?
Nas pálpebras molhadas vê-se ainda
Que choraste...
Foi algum pesadelo?
Algum presságio triste?
Ou disse-te algum deus que não existe
Eternidade?
Acordaste e és bela:
Vive!
O sol enxugará esse teu pranto
Passado.
Nega o presságio com perfume e encanto!
Faz o dia perfeito e acabado!
MIGUEL TORGA, in NIHIL SIBI (1948), in ANTOLOGIA POÉTICA (Coimbra, 4ª ed., 1994)
Álvaro de Campos
Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir...
Fernando Pessoa / Álvaro de Campos
Desperta-me de noite, de Maria Teresa Horta
Desperta-me de noite
O teu desejo
Na vaga dos teus dedos
Com que vergas
O sono em que me deito
É rede a tua língua
Em sua teia
É vício as palavras
Com que falas
A trégua
A entrega
O disfarce
E lembras os meus ombros
Docemente
Na dobra do lençol que desfazes
Desperta-me de noite
Com o teu corpo
Tiras-me do sono
Onde resvalo
E eu pouco a pouco
Vou repelindo a noite
E tu dentro de mim
Vai descobrindo vales.
MARIA TERESA HORTA
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Como é possível perder-te, de Maria Teresa Horta
Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.
Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda
Maria Teresa Horta
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.
Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda
Maria Teresa Horta
Quando, de SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
QUANDO
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta.
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, in DIA DO MAR (1947), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)
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