quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Ruy Belo "Imagens Vindas Dos Dias"

Conheço as palavras pelo dorso. Outro, no meu lugar, diria que sou um domador de palavras. Mas só eu - eu e os meus irmãos - sei em que medida sou eu que sou domado por elas. A iniciativa pertence-lhes. São elas que conduzem o meu trenó sem chicote, nem rédeas, nem caminho determinado antes da grande aventura.
Sim, conheço as palavras. Tenho um vocabulário próprio. O que sofri, o que vim a saber com muito esforço fez inchar, rolar umas sobre as outras as palavras. As palavras são seixos que rolo na boca antes de as soltar. São pesadas e caem. São o contrário dos pássaros, embora "pássaros" seja uma das palavras. A minha vida passou para o dicionário que sou. A vida não interessa. Alguém que me procure tem que começar - e de se ficar - pelas palavras. Através das várias relações de vizinhança, entre elas estabelecidas no poema, talvez venha a saber alguma coisa. Até não saber nada, como eu não sei.
 
Ruy Belo "Imagens Vindas Dos Dias", Todos Os Poemas, Assírio & Alvim, 2000

1 comentário:

  1. "Só tu me acompanhaste súbitos momentos
    quando tudo ruía ao meu redor
    e me sentia só e no cabo do mundo"

    ResponderEliminar