RUY BELO ELOGIO DE MARIA TERESA |
Eu que às vezes encontro sem saber porquê um simples não sei quê em estátuas retratos antigos de límpidas mulheres desconhecidas eu que de súbito à primeira vista me apaixono adolescentemente por essas mulheres mortas mas contemporâneas de um pobre poeta português do século vinte levadas até ele talvez por um discreto gesto às formas e às cores impresso por um homem que na arte encontrava a única razão de vida abro a pasta e deparo com o teu retrato um retrato de passe anos atrás tirado no sítio suburbano onde primeiro vivemos e juntos suportámos com surpresa a solidão de sermos dois e ela só vergar os ombros onde os dias nos poisavam Conheço outros retratos teus onde também estás viva um deles bem me lembro estava à minha espera em saint-malo uma tarde ao voltar do monte saint michel nesse verão bretão onde então procurava justificação por mínima que fosse para a vida numa das muitas fugas de mim próprio que às vezes empreendo embora antecipadamente certo de que só pela morte enfim me encontrarei comigo com todos quantos verdadeiramente amei alguns desconhecidos e alguns mesmo inimigos sobretudo sedentos de justiça de que depois somente de bem morto hei-de dispor daquela paz que sempre apeteci mas nunca procurei até por não ter tempo para isso nem sequer para saber coisas simples como saber quem sou porque ao certo só sei que muito mais passei naquilo em que fiquei nem que fossem os filhos ou os versos que fiquei muito mais naquilo onde passei como passos na areia no inverno ou repentinas sensações de me sentir de súbito sensivelmente bem encher o peito de ar sentir-me vivo São retratos diferentes de quem foste um breve instante e nele floriste e apenas não murchaste por haveres ficado um pouco mais em tais fotografias Mas há em todos eles uma graça inesperada a surpresa da corça ou restos dessa raça que há em ti talvez um pouco mais que nas demais mulheres expressão sempre surpreendente da surpresa mesmo até para quem te conhece tão bem como eu te conheço Se nuns mais do que noutros sem excepção desponta a madrugada que era e é esse teu riso claro quem primeiro falou de riso claro talvez houvesse ouvido a água quando corre sobre os seixos de um ribeiro talvez a houvesse visto branca e fresca mas teve de inventar pra conquistar essa metáfora quando eu que te ouvi rir não fiz mais do que ouvir e sei que o som da água imita o teu sorriso Talvez dentro de séculos se não fale já de ti coisa aliás sem maior importância que a de não ter alguém deixado o teu retrato em qualquer dos museus esparsos pelo mundo Eu estarei morto e pouco poderei fazer por ti simples mulher da minha vida Mas isso não importa importa esta manhã este bar de milão onde olho o teu retrato enquanto espero o meu pequeno almoço saboreio as cervejas em jejum tomadas e começam de súbito a chegar aos meus ouvidos inesperados os primeiros acordes do concerto imperador Se um dia penso porventura te perder mulher simples recôndita e surpreendente sobre quem recaiu o peso do meu nome só então saberei quanto valias verdadeiramente Estás presente em mim como ninguém e sabes quão terrivelmente amei e amo outras mulheres além de ti além de minha mãe Mas tu tens o meu nome clara rilke tu trocaste a tua alegre vida irrequieta no único infeliz dos teus negócios por um poeta pobre velho e feio como eu Contigo aprendi coisas tão simples como a forma de convívio com o meu cabelo ralo e a diversa cor que há nos olhos das pessoas Só tu me acompanhaste súbitos momentos quando tudo ruía ao meu redor e me sentia só e no cabo do mundo Contigo fui cruel no dia a dia mais que mulher tu és já hoje a minha única viúva Não posso dar-te mais do que te dou este molhado olhar de homem que morre e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente Bons dias maria teresa até depois preciso de tomar o meu pequeno almoço a cerveja era boa mas é bom comer como come qualquer homem normal e me poupa ao perigo de até pela idade me converter subitamente num sentimental * Maria Teresa Bello, mulher de Ruy Belo |
Ruy de Moura Belo (1933-1978) nasceu em São
João da Ribeira, Rio Maior, e faleceu em Lisboa. Doutorou-se em Direito
Canânico na Universidade Gregoriana, em Roma, e licenciou-se em
Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa. Obras poéticas: Aquele Grande Rio Eufrates (1961), O Problema da Habitação (1962), Boca Bilingue (1966), Homem de Palavra(s) (1969), Transporte no Tempo (1973), País Possível (1973), A Margem da Alegria (1974), Toda a Terra (1976), Despeço-me da Terra da Alegria (1978). A sua poesia encontra-se recolhida em Obra Poética de Ruy Belo (volumes 1 e 2, 2ª edição, 1990). Ensaio: Na Senda da Poesia (1969).
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A close friend says that I'm good on reading people's core and I'm a Renaissance woman... She is the reason behind the blog's name. As she is behind many things in my life too, namely writing. From my posts I do hope you will find out if she is right or not. I intend to post here through words and images about aesthetics, relationships, ethics, psychology, environment, literature, politics, art, and more.
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
ELOGIO DE MARIA TERESA, de RUY BELO
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